domingo, 6 de março de 2011

O Mundo da Estradinha

Compartilho com vocês a minha crônica, vencedora do Festival de Comunicação da Unijuí. A escrevi inspirada no local onde nasci.


O MUNDO DA ESTRADINHA

Ah, agora me toma a lembrança daquela estradinha pequena, estreita, pacata, a qual fui transeunte em toda a minha infância e adolescência, naquele vai e vem constante da casa para escola, da escola para casa, na busca do saber da língua que hoje me proporciona libertação. Lá, eu ia presenciando diariamente o suscitar do sol, o desabrochar das flores do campo, cruzando com os pacatos moradores daquele lugar tão longínquo da tal civilização e, cerceado pelos murros que obstaculizam o acesso do tão almejado conhecimento, proporcionador da autonomia de um povo e uma nação. Hoje, distante da pacata estradinha, percebo como o mundo de lá (e não diferente de alguns "mundos" daqui), era tal qual um casulo, mas confesso que mesmo assim, sinto saudades eternas. Não somente por ser aquele o lugar onde nasci e aprendi as primeiras letras, porém também, pelo âmago da cumplicidade e simplicidade existente em cada coisa, pela autenticidade das relações humanas, por toda pureza impetrada nos atos de comunicação, em cada micro ambiente daquele povo: as conversas entre vizinhos, as festinhas da escola, os mutirões comunitários, os casamentos... Ah, também sinto saudades do sino tocando nos domingos, chamando para o culto, e naquele macro ambiente, aquela estradinha se enchia de gente feliz, contando da lida do campo, dos acontecimentos da semana, das novidades, fazendo planos...
Destarte, naquele mundo distante, de variantes lingüísticas e falas informais do “era boi”, “olha a verga brazino”, a vida ia passando, e aquela gente era feliz mesmo “distante do mundo”, aliás, talvez porque para eles, aquele era o único mundo conhecido. Nem o jornal por lá circulava, apenas o rádio e uma e outra TV preta e branca, se configuravam como a única fonte extra de informação e entretenimento, e, não raras vezes, o que dava assunto para o resto da semana. Nesta configuração, a vida fugia, sendo raptada em cada momento fugaz do tempo, que leva consigo, gradativamente, um pouco da vida de cada um, a cada sol poente.
 E, hoje, sob o horizonte de outro por de sol, distante a léguas da eterna estradinha da minha infância e adolescência, levadas pela fugacidade dos dias, e fora do casulo da implícita subordinação inevitável da cultura sobre o desconhecimento, vejo o quanto nos faltavam as “letras” naquele lugar. Éramos sem saber, alienados do pensamento alheio, não podendo assim, vislumbrar nada muito além daquela bela estradinha.
 Observando hoje, todo poder impetrado naqueles que “dominam a língua”, bem como, todas as características de um povo ilustradas na sua comunicação, gostaria de retornar à estradinha, na esperança de ver refletida na comunicação daquele povo que lá deixei, uma eventual libertação.

2 comentários:

Eliane disse...

é me lembro muito bem disso, caminhavamos longe, para pegarmos o ônibus e irmos para o colégio,mas ao mesmo tempo era tão perto pois eramos acompanhados pelo nascer do sol,a paisagem o cantar dos passaros, nossa que saudade gostosa de sentir.

Fabiane Altíssimo disse...

... Verdade Eliane, que saudade daquele lugar. Embora tão isolado, nos aproximava das melhores coisas da vida: a natureza pura, a simplicidade e pureza das relações humanas...saudade eterna.