quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Não foi só um cachorro


Essa semana eu queria escrever algo leve, mas, assim como milhares de pessoas, estou imersa na dor e tristeza, por saber do grito de socorro, em vão, e da dor de um anjo de quatro patas, que foi covardemente assassinado, por quem deveria protegê-lo. Pois então, sinto-me quebrada, mais uma vez. Como mencionei no texto anterior, a gente vive quebrado(a), e se quebrando a cada dia. Quando acontece algo que comprime nosso coração, e nos rasga por dentro, a gente se estilhaça. Assim, eu, e outros milhares, quebramos essa semana com a terrível notícia da morte, covarde, do pobre cãozinho que vivia no Carrefour, de São Paulo. Esse assassinato não doeu apenas naquele anjo. Cada paulada atingiu também a nós, que temos empatia, que  amamos os animais, e sabemos  o quão inocentes, puros , bons e indefesos eles são. Não, não foi apenas um ser vivo de quatro patas, que sente dor, amor, fome, sede, que sofreu. Hoje somos milhares, e quem sabe milhões de humanos brasileiros, que sangramos e sentimo-nos quebrados. Mas que esses estilhaços nossos, e essa morte não seja em vão! Cada caquinho de nós, caído no chão, há de se somar a outros, e com nossa força coletiva, derrubarmos o paredão da impunidade aos maus tratos aos animais nesse país. Aquelas patinhas cruzadas, e aquele olhar meigo, hão de viver sempre em nosso coração, e serem a marca de uma nova história para os anjos de quatro patas, que tanto amamos, e muito merecem nosso respeito.  Por enquanto, apenas resta-me pedir perdão à este anjo. Perdão por pertencer à esta raça tão medíocre e cruél! Perdão por não estar perto de ti para te salvar! Perdão, perdão, perdão, anjo de patinhas! Por ti, eu estou sangrando, com meus cacos no chão. Mas que teu sofrimento não seja em Vão!

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Viver é quebrar-se




Eu amo os textos da jornalista e escritora Eliane Brum. Ela tem o dom de externalizar, com extrema sensibilidade, e com poesia, a realidade, as vezes oculta, da vida. Num desses textos, que se chama “ A menina Quebrada”, ela “usa” a personagem, uma menina de 9 anos, que quebrou uma parte do corpo, para explicar que todos nós quebramos, principalmente por dentro, e  vivemos quebrados, na tentativa de achar um sentido para seguir em frente. Pois bem, eu também sou convicta disso, e “quebrada” como sou, complemento que, viver é quebrar-se, tão constantemente que, se pudéssemos nos enxergar segundo nossas fissuras, seríamos um mosaico, cheio de ladrilhos, alguns maiores, outros minúsculos, conforme a estrutura emocional de cada um de nós.  Cada quebra, é um desafio para nossa capacidade de recompor-se, e continuar inteiro(a), mesmo estraçalhado(a), com mil caquinhos colados.  A beleza e sabedoria desta existência, talvez residam na capacidade de (re)colar-se, e (re)fazer-se colorido(a), mesmo diante dos inúmeros estilhaços que a vida nos acomete. 
E tem gente que quebra mais, outros, menos. Mas quebrar-se menos , nem sempre significa recompor-se mais, e com maior intensidade. Há tombos, como a perda de um familiar,  por exemplo, que isoladamente, são capazes de quebrar-nos, em uma só vez, muito mais do que nós quebraríamos, com várias outra quedas, por toda a vida. E estes ladrilhos, com o tempo conseguimos colar, mas jamais serão coloridos.  Ademais, há os tombos mais leves, comuns a quase todos, como uma decepção amorosa, uma perda material, um objetivo não atingível, uma desilusão com um amigo, uma enfermidade leve, entre outros. Para essas quebras, o chão será mais sereno, e a recomposição mais bela e rápida, de acordo com a estrutura emocional de cada um. Compor-se-á mais colorido e resistente, aquele que souber pegar cada um dos seus estilhaços para fazer uma base forte, que em uma nova queda, não o afete tanto.
Pois, acredito também, que, erguer-se, e recompor-se em cores, não deleta da mente a força e o impulso que fez-nos quebrar. Muito me quebrei, e, muito jovem ainda, em sonhos, em projetos, e pelas ações maldosas de pessoas, e também, muito renasci, na maioria das vezes, com ladrilhos coloridos. No entanto, não esqueço, jamais, o que me doeu. O ensinamento, penso eu, é estar segura para nunca mais deixar-me quebrar pelos mesmos motivos.  Ai reside o poder da nossa recomposição, e a lição de que quase sempre é possível resgatar a cor, em meio à escuridão do mundo que nos estilhaçou. Atualmente vivo quebrando, mas por outros motivos. Jamais me meteria nas mesmas emboscadas da vida, que me fizeram fissurar no pretérito.
E o que leva alguém a quebrar-se, não necessariamente é o mesmo que induz o outro a romper-se. Cada um, no seu íntimo, sabe o que o faz quebrar, e o que trinca sua estrutura. Aí  depende do quão seguro é o seu chão para suportar determinadas provações da vida. O que dói mais em ti, não necessariamente será o dolorido em mim, e vice e versa, porque somos diferentes, em vivências, em relações de todo tipo, em personalidade.  O fato, é que nossa fragilidade está diretamente ligada à condição humana, assim como nossa força.  Então, nesse dolorido ato de quebrar-mo-nos que é viver, testaremos dia a dia, nossos cacos frente aos caos do mundo, ora nos quebrando a nós mesmos, ora, sendo quebrados pelos outros, ora, pela imprevisibilidade da existência.
O certo de tudo, é que a nossa evolução não aflora senão de quase sempre, um dolorido processo de intensas fissuras (eu que o diga). Quebramos tanto, e evoluímos tanto, que por vezes, nesse mosaico que somos, já nem nos reconhecemos mais, e isso, nem sempre é ruim.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Aquele lugar

Quem foi que roubou a margarida branca de mim¿ E os lírios, ainda orvalhados das manhãs serenas e ensolaradas¿  Aonde foi que terminara, sem que eu me desse conta, a estradinha de flores, de distintas as cores e diferentes aromas¿  Onde se esconde a sanga mansinha e límpida, onde eu banhava meus sonhos, e  via refletida a vida, tão doce¿ E o rio, que corria ao ritmo da dinâmica tranquila, do longínquo lugar, onde tudo também passava devagar ¿  E as árvores magrelas, que me emprestavam seus galhos, para desfrutar do seu balanço, tão leve, quanto o vento daquele lugar ! Aonde  se foram os dias, que afloravam cintilantes , sem a pressa  de para outro pular¿  Ah, e aquela estradinha, tão estreita e longa , que meu corpo magrelo vivia a transitar com os livros . Ah, os livros! Esses sim, sempre foram, desde sempre, minha inspiração tão peculiar! Por eles, fiz trilhos e trilhas, desafiei meus medos, desdobrei os mais tortuosos caminhos! Mesmo na humildade daquela casinha de madeira, nas noites à luz de velas, eu devorava-os, incansavelmente! E assim, a vida começou a tomar outra engrenagem! O meu andar já perpassava o ritmo daquele pacato e sereno lugar, sem que eu pudesse notar.  Os livros foram a alavanca, que me fizeram, inconscientemente, começar a achar pequenos demais aqueles amanheceres. As margaridas, os lírios, a sanguinha, o rio,e quase tudo de lá, aos poucos , foram cedendo espaço aos sonhos, que as páginas me proporcionavam. E assim, sem que eu vislumbrasse a velocidade e fugacidade do tempo, os livros me tiraram de lá. Então, o meu mundo  já se norteava pela égide de outras páginas, mais exatas, menos coloridas, bem mais tensas, por sinal!  E à luz dos novos sonhos, ficou esquecida a antiga vida! Hoje, depois de anos do descortinar desse novo horizonte, me indago,  aonde foi que ficaram as flores, as árvores, a estradinha, do interior da minha infância, e de repente, percebo que eu que as roubei de mim mesma, na ilusão de um outro universo, que agora me questiona aonde foi parar a beleza e a simplicidade da vida.