quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Viver é quebrar-se




Eu amo os textos da jornalista e escritora Eliane Brum. Ela tem o dom de externalizar, com extrema sensibilidade, e com poesia, a realidade, as vezes oculta, da vida. Num desses textos, que se chama “ A menina Quebrada”, ela “usa” a personagem, uma menina de 9 anos, que quebrou uma parte do corpo, para explicar que todos nós quebramos, principalmente por dentro, e  vivemos quebrados, na tentativa de achar um sentido para seguir em frente. Pois bem, eu também sou convicta disso, e “quebrada” como sou, complemento que, viver é quebrar-se, tão constantemente que, se pudéssemos nos enxergar segundo nossas fissuras, seríamos um mosaico, cheio de ladrilhos, alguns maiores, outros minúsculos, conforme a estrutura emocional de cada um de nós.  Cada quebra, é um desafio para nossa capacidade de recompor-se, e continuar inteiro(a), mesmo estraçalhado(a), com mil caquinhos colados.  A beleza e sabedoria desta existência, talvez residam na capacidade de (re)colar-se, e (re)fazer-se colorido(a), mesmo diante dos inúmeros estilhaços que a vida nos acomete. 
E tem gente que quebra mais, outros, menos. Mas quebrar-se menos , nem sempre significa recompor-se mais, e com maior intensidade. Há tombos, como a perda de um familiar,  por exemplo, que isoladamente, são capazes de quebrar-nos, em uma só vez, muito mais do que nós quebraríamos, com várias outra quedas, por toda a vida. E estes ladrilhos, com o tempo conseguimos colar, mas jamais serão coloridos.  Ademais, há os tombos mais leves, comuns a quase todos, como uma decepção amorosa, uma perda material, um objetivo não atingível, uma desilusão com um amigo, uma enfermidade leve, entre outros. Para essas quebras, o chão será mais sereno, e a recomposição mais bela e rápida, de acordo com a estrutura emocional de cada um. Compor-se-á mais colorido e resistente, aquele que souber pegar cada um dos seus estilhaços para fazer uma base forte, que em uma nova queda, não o afete tanto.
Pois, acredito também, que, erguer-se, e recompor-se em cores, não deleta da mente a força e o impulso que fez-nos quebrar. Muito me quebrei, e, muito jovem ainda, em sonhos, em projetos, e pelas ações maldosas de pessoas, e também, muito renasci, na maioria das vezes, com ladrilhos coloridos. No entanto, não esqueço, jamais, o que me doeu. O ensinamento, penso eu, é estar segura para nunca mais deixar-me quebrar pelos mesmos motivos.  Ai reside o poder da nossa recomposição, e a lição de que quase sempre é possível resgatar a cor, em meio à escuridão do mundo que nos estilhaçou. Atualmente vivo quebrando, mas por outros motivos. Jamais me meteria nas mesmas emboscadas da vida, que me fizeram fissurar no pretérito.
E o que leva alguém a quebrar-se, não necessariamente é o mesmo que induz o outro a romper-se. Cada um, no seu íntimo, sabe o que o faz quebrar, e o que trinca sua estrutura. Aí  depende do quão seguro é o seu chão para suportar determinadas provações da vida. O que dói mais em ti, não necessariamente será o dolorido em mim, e vice e versa, porque somos diferentes, em vivências, em relações de todo tipo, em personalidade.  O fato, é que nossa fragilidade está diretamente ligada à condição humana, assim como nossa força.  Então, nesse dolorido ato de quebrar-mo-nos que é viver, testaremos dia a dia, nossos cacos frente aos caos do mundo, ora nos quebrando a nós mesmos, ora, sendo quebrados pelos outros, ora, pela imprevisibilidade da existência.
O certo de tudo, é que a nossa evolução não aflora senão de quase sempre, um dolorido processo de intensas fissuras (eu que o diga). Quebramos tanto, e evoluímos tanto, que por vezes, nesse mosaico que somos, já nem nos reconhecemos mais, e isso, nem sempre é ruim.

8 comentários:

Unknown disse...

Me identifiquei muito nesse texto ... parabéns por falar tão profundamente sobre o ser humano

Karine Silveira disse...

Que lindo! Que significativo! Quebrar-se e reconstruir-se… todos os dias!
Parabéns pela sensibilidade e linda escrita!

LiaLF disse...

Muito bom!
"Quebramos tanto, e evoluímos tanto, que por vezes, nesse mosaico que somos, já nem nos reconhecemos mais, e isso, nem sempre é ruim." 👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾

Unknown disse...

Mensagem espetacular! Uma bela lição.

Unknown disse...

Nossa um texto maravilhoso! 🙏👏👏👏👏🥰🥳

Unknown disse...

Parabéns amiga!! Que texto lindo!!

Lucilene disse...

Amei o texto amiga! Nossa como a gente se identifica em tudo o que está escrito!

Luciana Trombini disse...

Super me identifiquei, parabéns.Real e reflexivo.