sábado, 6 de junho de 2020

Infância: uma fonte para toda a vida


 
Eu acredito  que a infância será para sempre a fonte aonde iremos buscar refúgio para a alma. Todo mundo tem nessa fase, as recordações que alimentam a existência, e quanto mais envelhecermos, maior será nosso retorno àqueles momentos que o tempo já levou, mas  que os sentimentos os impetraram no coração. E as melhores memórias que tenho do meu tempo de criança, e que, talvez, foram decisivas para minha construção enquanto sujeito, são as mais simples, mas que carregam toda a riqueza da vida: a natureza em suas diversas manifestações, em especial, as flores que minha mãe cultivava. Morávamos no campo, em um lugarzinho longínquo de tudo, quase isolado do mundo. Carecíamos de quase todos os recursos materiais para uma vida digna. Não tínhamos energia elétrica, geladeira, água encanada, televisão, chuveiro, e por ai vai. A vida era mesmo sofrida, e eu, desde cedo ajudava no trabalho da lavoura. Meus brinquedos, eram as embalagens vazias de alimentos e a própria terra. Todas as “regalias” que meu filho hoje tem, eram inimagináveis e inatingíveis para a criança que eu fui um dia.  Somado a isso, nunca tive carinho paterno, aliás, só desprezo. Eu teria todos esses motivos para lembrar-me com mágoa e rejeição, mas no contraponto desse lado triste, há algo que me salvou: as flores da minha mãe, as árvores, os bichinhos, a natureza, em suas múltiplas dimensões... E no paradoxo de dois mundos extremos, eu fiquei com os encantos das riquezas que pude guardar e gravar no coração.  Apesar de toda a literal miséria, minha querida e amada mãe nunca deixou de cultivar e plantar, muitas, flores. Talvez, consciente ou inconscientemente, fazia isso, para poder me oferecer um contraste para aquele mundo tão sofrido. E deu certo! Ainda lembro, com tanta vivacidade de memória, as fartas carreiras de lírios brancos que minha mãe cultivava na frente de casa. Adorava, ir vê-los e cheirá-los, de manhã cedinho, quando ainda estavam orvalhados pelo sereno da  madrugada. O seus pólens amarelos, se desmanchavam e coloriam meu nariz e minhas mãos, exalando  beleza, numa sinfonia de antagonismo para aquela vida árdua. Também, impossível esquecer a magnitude e profundo encanto das dálias, cor de vinho, vermelhas, brancas, bem como, das coloridas palmas de santo antônio, que se abriam em um espetáculo tão singular, e oposto à peculiaridade  daquela nossa condição de existência.  Na minha memória residem as rosas, as compridas carreiras de margaridas brancas e amarelas, que minha mãe cultivava, e que pintavam a frente da nossa singela casa, com ternura, cor e movimento.  Tão vivas quanto a singularidade do meu presente, são as flores de “brinco de rainha”, que se avolumavam em touceiras,  de fronte da nossa humilde casa de madeira,  as quais eu adorava imitar os beija-flores, e sugar-lhes o néctar, injetando doçura naquela vida amarga.  E ao lado, rentes àquela estreita estradinha vermelha e barrenta, que dava acesso ao nosso fim de mundo, estavam os hibiscos duplos, de cor vermelha, e as espetaculares  e múltiplas flores brancas de “grinalda de noiva”, que se exibiam magnificamente, evidenciando que a vida, apesar de tudo, podia ser bela.
Assim, nesse profundo contraste, as flores da minha mãe, me ajudaram a construir uma realidade paralela, a qual me moldou de coragem e resiliência, para mais tarde enfrentar o mundo, com outros olhares. E os animaizinhos também foram fundamentais para mostrar-me que o amor pode estar em qualquer lugar onde haja um coração.  E esse amor, que eu não tive do meu pai, eu via no meu porquinho, chamado Xiquinho, o qual deitava-se quando me via, a espera de um carinho. Ah, e o cachorro “Canheto”, que dava a patinha para dizer bom dia, e ia junto comigo para todos os lugares, ressaltando o valor da amizade. E os inúmeros bezerros , galinhas, e mais tarde, os gatinhos, todos ajudaram-me na arte de ver a beleza da vida, mesmo no meio do caos. E assim, como planta, eu me moldei às peculiaridades da aridez aonde eu estava, mas sabendo que era também semente, para florir em outros lugares.  
 Meu amor pela natureza ficou tão grande, que após crescer um pouquinho, eu mesma comecei a plantar árvores e flores, para colorir do meu jeito, a minha singela vida. Entendi que rodear-me do que me tirava das trevas, era a maneira de dar a volta por cima. Assim, de tempos em tempos, eu plantava uma árvore, e algumas flores, e nesse processo terapêutico de cura e afago da alma, nasceu meu amor pelas pitangueiras, as quais fiz carreiras, em frente a nossa casa.
Ademais, jamais poderia esquecer da grande contribuição do rio Uruguai, que banhava nossa terra. Ele se tornou um refúgio de observação e beleza para mim. Toda vez que eu ficava triste, ou buscasse inspiração, caminhava pela plantação, até ter a vista do rio. Sentava-me em uma pedra grande, e observava a calmaria das suas águas, bem como, os obstáculos que ele contornava. Aprendi, que o rio, que eu tanto mirava, era belo por ser tortuoso, e por ser assim, alcançava, de mansinho, o mar. Aos poucos, compreendi, que tal qual o rio, eu também era maior que aquele lugar, e precisava, lidar com as barreiras da minha vida. E assim eu fiz (outro dia escrevo sobre isso). De tanto  observar o movimento da natureza, eu não tive medo de lançar-me para outros solos e ventos, na certeza de que a vida é balanço e recomeço, é partir , e é chegar.
Então, o conselho que eu deixo: plante flores para seus filhos, no chão, em um pote, onde der. Se puder, cultive uma árvore, tenha um animalzinho, e incentive o amor entre eles. Eu faço isso com meu filho, porque  aprendi que uma das melhores heranças que podemos deixar para um filho, são as experiências, que o moldarão, e que se traduzirão em boas memórias da infância, as quais , pela vida toda, ele beberá, em profundidade, e em cada detalhe.
Hoje, embora naquele lugar não exista mais nada, ele ainda habita em mim, com a minuciosidade  e riqueza de todos os pormenores.  E, morará na minha existência,  pelo resto da vida, como um afago para a alma, e um sopro de coragem, toda vez que meu presente estiver um pouco cinzento, ou que eu quiser me deliciar na nostalgia de um tempo  singularmente meu.

8 comentários:

Unknown disse...

Querida amiga,que aprendi a admirar então pouco tempo, parabéns por conseguires vêr o mundo com esses olhos, por mais pessoas como vc , que carregam e distribuem, muito amor mundo a fora. Admiro muito vc, cada dia mais!!!Bjs com carinho

Unknown disse...

Querida Fabi, me emocionei com sua história, você é uma pessoa maravilhosa e meiga. Lembro quando éramos vizinhas como você sempre lutou pelos animais.

Unknown disse...

Tenho tanto orgulho de ti, sempre foi uma inspiração para mim. Poderia ser uma dessas pessoas que ficam se vitimizando e culpando a infância pobre e triste por não ter nada, mas tu nunca foi assim, sempre te vi estudando muito e tentando mudar tua vida, te agarrou onde pode e foi indo, crescendo com méritos próprio. Parabéns por nunca ter desistido dos teus sonhos e parabéns por tudo que tu conquistou, inclusive essa família linda que tu tem e que eu amo tanto. ��

Fabiane Altíssimo disse...

Muito obrigada pelo carinho 🥰! Também te admiro muito!

Fabiane Altíssimo disse...

Muito obrigada querida! Certamente você também tem muitas boas lembranças da tua infância! Beijos

Fabiane Altíssimo disse...

Muito obrigada, pelas palavras, Cati! Fiquei emocionada! Também te amamos!

ana.raupp@gmail.com disse...

Que lindo texto, impossível não se emocionar... também tenho fortes lembranças da minha infância....

Fabiane Altíssimo disse...

Muito obrigada, Ana! Como é bom ter lembranças que nos fazem reviver um tempo, guardado no coração! Bjos