Na última semana o pequeno município gaúcho de Faxinalzinho
foi palco de um terrível desfecho: o assassinato brutal de dois pequenos
agricultores, executados de maneira impiedosa por indígenas que reivindicam a
demarcação de terras. Tão trágico por si só, o fato também revela uma sucessão
de omissões por parte do governo federal e Funai que há tempo já sabiam da
tragédia anunciada e nada fizeram para prevenir. Mas além disso e, imensamente
grave quanto, é a injustiça que vem sendo feita aos pequenos agricultores, na
tentativa de reparar antigas reservas indígenas.
Quero deixar claro que não sou contra o
direito dos índios, historicamente massacrados no país. No entanto, é preciso
visibilizar e discutir também o direito de outros injustiçados históricos do Brasil:
os pequenos agricultores familiares. Essa “briga” de indígenas contra
agricultores, a qual se trava no momento, é tão ou mais injusta quanto àquela
que dizimou os índios no período da colonização brasileira.
Para iniciar a discussão, é oportuno
evidenciar que estamos falando de dois direitos. Primeiro deles: o dos pequenos
agricultores, com escrituras de suas terras (ora reivindicadas pelos índios) e,
que muito trabalharam e sofreram para as pagar. Referimo-nos à uma classe historicamente
excluída das politicas públicas dos governos. Uma prova é o intenso êxodo rural
dos anos 60 a 90 que hoje configura o Brasil como um país essencialmente
urbano, com mais de 90% de sua população vivendo (eu diria sub-existindo) nas
cidades. Esses, contra os quais os indígenas apoiados cegamente pela FUNAI,
travam intensa e sangrenta batalha por terra, são batalhadores das mãos
calejadas, que ainda resistem fortemente a todas as intempéries do campo para
não engrossar as estatísticas do êxodo rural e, não criar seus filhos na
criminalidade das grandes cidades sem perspectivas de vida, ou até mesmo,
engordar as filas do MST.
Por conseguinte, o outro direito em questão é o dos os
índios, os quais foram massacrados, tiveram suas terras arrancadas pelos
colonizadores, grileiros, há muitos séculos nesse país. Mas o cerne da questão,
nesse momento, é poroso, pois trata-se de recuperar, a força, uma posse legal de
mais de cem anos atrás, ferindo cruelmente outros direitos já garantidos – o
dos pequenos agricultores. E, se não bastasse, ainda os ameaçando e os matando
brutalmente como foi o caso de Faxinalzinho. Então, questionemo-nos: que tipo
de justiça se pretende fazer ao injustiçar tão covardemente quem adquiriu, com
muito suor essas terras? E mais, massacrando (repetindo o que seus
colonizadores fizeram), pobres agricultores familiares? Tal fato, se ilustra na
mesma maneira de invasão, violência e covardia com que a 500 anos os
colonizadores fizeram no “descobrimento” do Brasil.
Os indígenas, no momento, tentam reparar um erro contra
inocentes, pobres, excluídos e injustiçados tão quanto eles pelo descaso de sucessivos
(des)governos desta nação!
Outro fato questionável nessa requisição (já julgada ilegal
pelo MP) de posse tange à destinação final dessas terras. Será possível "recuperá-las" para um estilo de vida indígena de 500 anos atrás? E, os índios desejam tal configuração? O que fariam os índios, com as terras, em um caso de "reapropriação"? O que fazer para conciliar tantos antagonismos? Infelizmente, há relatos de arrendamentos de terras indígenas
para grandes proprietários que, as inflam de agrotóxicos no cultivo de plantas
típicas da monocultura, o que fere o estilo de vida intrínseco ao índio. Pois
então, ao aviltar a bandeira da recuperação das terras (escrituradas e pagas
com muito trabalho pelos pequenos agricultores) seria essencial levantar o
debate acerca da desaculturação índigena e incorporação dos costumes dos
brancos em grande parte das reservas do estado.
Índio que empresta terras para outros plantarem, que compra roupas de
marca, que usufrui de aparatos tecnológicos, já não é mais totalmente índio. Sim,
sabemos que isso é consequência da invasão dos brancos, da destruição dos seus
habitats, ok. Até aqui tudo certo. Mas então precisamos rediscutir muitas
coisas, dentre elas, o que é ser índio hoje, seus direitos e também seus
deveres em uma sociedade de 500 anos de história e massacres de todas as
formas, contra índios, negros, escravos, pequenos agricultores, mulheres...
Esse deve ser o contexto do debate: sob todos os pontos de vista e de
injustiças, replicadas há mais de cinco séculos neste país. E ai, os direitos e
deveres mudam.
Se falamos em recuperar antigas reservas indígenas, necessitamos
desapropriar boa parte das terras brasileiras que já foram reservas desse povo. Este é o tamanho do conflito e da questão. Ao
governo e à FUNAI, que apoia essa reapropriação, fica a indagação: por que
então não desapropriar grandes fazendas, terras improdutivas comprovadamente,
que já pertenceram aos índios? Por que arrancar brutalmente da terra os
miseráveis pequenos agricultores, tão historicamente massacrados e expropriados
das suas propriedades tal qual os índios? E, para onde eles irão, sem dinheiro e
sem terra? Qual o seu futuro e dos filhos? Por que tentar fazer justiça eclodindo
outra tamanha injustiça?
Aliás, os pequenos agricultores familiares, esses sim, ainda
tentam cultivar valores coletivos entre vizinhos, agricultura orgânica, de subsistência
e, criar os filhos com os frutos do seu sofrido e digno trabalho. Eles, (apesar
de todo o êxodo rural) são responsáveis por cerca de 70% da produção de
alimentos no Brasil. Sim, o feijão, a geléia, a alface que você come, vem da
agricultura familiar.
Se é para tocarmos em “direitos”, pois então vamos fundo
nessa questão e, que o governo trate de também recuperar o direito dos agricultores
familiares de permanecerem na terra com dignidade pois historicamente eles
foram despejados a força para as grandes cidades, muitos por pequenas dividas
agrícolas frutos de intempéries do tempo como seca ou chuva o que não lhes
permitia colheita. Milhares de agricultores familiares tiveram suas casas e
terras “arrancadas” pelos bancos (ainda há pouco tempo vimos com ênfase na
mídia e redes sociais o caso do agricultor de SC que por uma pequena dívida,
fruto de uma compra de sementes de feijão fora despejado de sua propriedade de 14 hectares, com
mulher e filhos, e hoje vive de favor). Então, é vital que ao tocar nesse tema
de direitos indígenas, possamos olhar os dois lados dessa questão e, se for
para fazer justiça, que ela possa abranger a todos os injustiçados, nesse caso,
agricultores familiares e índios.
Que falemos das dívidas históricas
do Brasil com os índios, mas também, do “massacre” oculto que se fez (e ainda
se faz) com a agricultura familiar desse país. Somente sob essa égide, a
discussão começa a ser justa e, equilibrada, caso contrário, apenas um DIREITO
INJUSTO, ao ferir cruelmente outro direito já adquirido de forma legal.