Eu amo os textos da jornalista e escritora Eliane Brum. Ela
tem o dom de externalizar, com extrema sensibilidade, e com poesia, a
realidade, as vezes oculta, da vida. Num desses textos, que se chama “ A menina
Quebrada”, ela “usa” a personagem, uma menina de 9 anos, que quebrou uma parte
do corpo, para explicar que todos nós quebramos, principalmente por dentro, e vivemos quebrados, na tentativa de achar um
sentido para seguir em frente. Pois bem, eu também sou convicta disso, e “quebrada”
como sou, complemento que, viver é quebrar-se, tão constantemente que, se
pudéssemos nos enxergar segundo nossas fissuras, seríamos um mosaico, cheio de
ladrilhos, alguns maiores, outros minúsculos, conforme a estrutura emocional de
cada um de nós. Cada quebra, é um
desafio para nossa capacidade de recompor-se, e continuar inteiro(a), mesmo estraçalhado(a),
com mil caquinhos colados. A beleza e
sabedoria desta existência, talvez residam na capacidade de (re)colar-se, e
(re)fazer-se colorido(a), mesmo diante dos inúmeros estilhaços que a vida nos
acomete.
E tem gente que quebra mais, outros, menos. Mas quebrar-se
menos , nem sempre significa recompor-se mais, e com maior intensidade. Há
tombos, como a perda de um familiar, por
exemplo, que isoladamente, são capazes de quebrar-nos, em uma só vez, muito
mais do que nós quebraríamos, com várias outra quedas, por toda a vida. E estes
ladrilhos, com o tempo conseguimos colar, mas jamais serão coloridos. Ademais, há os tombos mais leves, comuns a
quase todos, como uma decepção amorosa, uma perda material, um objetivo não
atingível, uma desilusão com um amigo, uma enfermidade leve, entre outros. Para
essas quebras, o chão será mais sereno, e a recomposição mais bela e rápida, de
acordo com a estrutura emocional de cada um. Compor-se-á mais colorido e
resistente, aquele que souber pegar cada um dos seus estilhaços para fazer uma
base forte, que em uma nova queda, não o afete tanto.
Pois, acredito também, que, erguer-se, e recompor-se em
cores, não deleta da mente a força e o impulso que fez-nos quebrar. Muito me
quebrei, e, muito jovem ainda, em sonhos, em projetos, e pelas ações maldosas
de pessoas, e também, muito renasci, na maioria das vezes, com ladrilhos
coloridos. No entanto, não esqueço, jamais, o que me doeu. O ensinamento, penso
eu, é estar segura para nunca mais deixar-me quebrar pelos mesmos motivos. Ai reside o poder da nossa recomposição, e a
lição de que quase sempre é possível resgatar a cor, em meio à escuridão do
mundo que nos estilhaçou. Atualmente vivo quebrando, mas por outros motivos. Jamais
me meteria nas mesmas emboscadas da vida, que me fizeram fissurar no pretérito.
E o que leva alguém a quebrar-se, não necessariamente é o
mesmo que induz o outro a romper-se. Cada um, no seu íntimo, sabe o que o faz
quebrar, e o que trinca sua estrutura. Aí
depende do quão seguro é o seu chão para suportar determinadas provações
da vida. O que dói mais em ti, não necessariamente será o dolorido em mim, e
vice e versa, porque somos diferentes, em vivências, em relações de todo tipo,
em personalidade. O fato, é que nossa
fragilidade está diretamente ligada à condição humana, assim como nossa
força. Então, nesse dolorido ato de
quebrar-mo-nos que é viver, testaremos dia a dia, nossos cacos frente aos caos
do mundo, ora nos quebrando a nós mesmos, ora, sendo quebrados pelos outros,
ora, pela imprevisibilidade da existência.
O certo de tudo, é que a nossa evolução não aflora senão de
quase sempre, um dolorido processo de intensas fissuras (eu que o diga).
Quebramos tanto, e evoluímos tanto, que por vezes, nesse mosaico que somos, já
nem nos reconhecemos mais, e isso, nem sempre é ruim.