sábado, 20 de abril de 2013

A manhã Cinzenta de Julho


Era uma manhã daquelas cinzentas e frias do mês de julho.  
  
O dia nascera e o sol de preguiça não levantou, deixando que as nuvens pintassem de um cinza triste aquele dia de despedida. E não era uma despedida qualquer, um tchau breve. Para mim, era o recomeço da vida e uma aposta profunda - e incerta - nos meus sonhos.  As nuvens sem vida que pairavam, também significavam a gélida tristeza do meu coração e a incerteza de não saber se meus momentos futuros teriam sóis ou apenas o cinzento da escura indefinição de um caminho incerto.
Eu não deixava apenas aquele lugar, abandonava também, parte da minha vida, da minha história. Como planta grande arrancada da terra, eu partia quebrada. Deixava a riqueza maior que alguém pode ter: a família. E a deixava chorando e contrariada pela minha decisão de partir para um mundo desconhecido e que até então ninguém se arriscara por lá. Mas além disso, o dia cinzento encobria e de certa forma, apagava com minha partida, as minhas mais puras utopias, as minhas profundas e talvez ingênuas crenças em um mundo mais justo onde é possível crer na bondade de todos, fato que sempre acreditei e cultivei por lá. O dia cinzento não se apresentara assim por acaso, ele retratava a desilusão de uma jovem que leva consigo quando parte, um coração rasgado e ferido por aquilo que creu.
As minhas malas socadas e remendadas, em parte, eram tais qual a minha esperança esmagada pelos muros que a vida tão precocemente me deu.
Embarquei no ônibus e fiquei fitando aquele lugar que amei de paixão, que sonhei de paixão, que vivi de paixão, me expulsar por já não ter a capacidade de abrigar meus sonhos. Minha mãe chorando foi a última imagem que meus olhos avistaram. E as últimas palavras que falei naquela partida ainda me lembro: - Não se preocupe, vai dar tudo certo mãe!
Parti sozinha e vazia de ilusões naquele dia cinzento, mas cheia de coragem para fomentar um sonho e recomeçar do zero outra vez a minha vida.  Trezentos reais.  Destino, Porto Alegre, PUCRS. De nada mais eu sabia naquela data sem cor. Pelo menos, nada de certeza, pois as que eu havia depositado naquele lugar, se esfacelaram com os dias sem perspectivas para o alvorescer de sonhos. A partida, que eu escolhi, me fizera quebrar convicções e paradigmas sobre a vida. Eu sabia que a busca do sol seria difícil, mas não impossível....Ah, esse sol que hoje clarifica minhas manhãs e, que me ilumina para olhar para trás e ver com orgulho a minha história que continuei a escrever por aqui.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O Veneno que Cura



Sou dessas que anda pela rua catando fragmentos de vida que, geralmente se revelam, na singularidade dos pequenos acontecimentos. Em um momento dessas minhas andanças curiosas pelo centro da cidade, tive que parar por alguns minutos para aguardar a abertura de uma loja a qual eu precisava comprar algumas coisas. Enquanto o tempo passava,  fiquei mirando o movimento da rua, acompanhando com os olhos, o vai e vem dos homens e dos motores em suas corridas fugazes pela linha do tempo de uma grande metrópole. Foi quando,  de repente,  percebi ao meu lado, uma mulher, magra, loura, de olhos fundos, tragando com desespero um cigarro. Enquanto ela se embebia no vício, a fitava, com os olhos arregalados, um mendigo, sentado  no chão, um pouco mais a sua frente.
A medida que aquela cena viva de um filme melancólico, se doava vibrante para meus olhos, eu comecei a sugar com mais intensidade cada detalhe, na tentativa de entender, o significado de uma história sem roteiro pré-definido, mas com a direção dos entrelaçamentos  sábios da vida.
Cada imersão da mulher no vício, revelava com mais força, a necessidade dela saciar algo em sua existência. Ela respirava fundo, tragava forte e olhava perdidamente para o céu,  como  se lá estivesse alguma promessa sua que enquanto não  lhe acontecia, o vicio a supria. Enquanto isso, o mendigo a tragava com os olhos,  como se nela, estivesse a materialização da sua  tão mais  fácil e alcançável esperança. Percebi diante disso, que ambos esperavam alguma coisa: ela, da vida, já ele, dela mesmo.
De repente, e inesperadamente, meu filme vivo revelou o seu desfecho. Em um instante fugaz, a mulher soltou o toco de cigarro no chão. Então o mendigo correu em direção ao mesmo, agarrou-o com toda força como alguém que conquista um prêmio e, depois, olhou para a mulher  intensamente, acenando a migalha de vício e dizendo em alto, feliz e bom tom:  - sou mendigo aqui da rua senhora. Saúde, saúde!   E assim, saiu, elevando como troféu, o toco de cigarro, sugado pela boca seca da mulher que naquele objeto, iludiu sua alma.
Confesso que nesse filme vivo, eu esperava que o mendigo chegasse à direção do cigarro, mas o desfecho distinto, se dá com o reconhecimento dele em relação à sua condição, bem como, pela  significação  que o mesmo ressaltara para aquele pequeno veneno já tragado por outra boca sedenta de algo.
“ Eu sou mendigo”, palavras  que ele proferiu, legitima e, torna normal uma das condições mais degradantes que pode submeter-se – ou ser submetido – um ser humano.  O reconhecimento e afirmação, por ele, da sua triste condição, é o veneno que lhe traga e o aprofunda ainda mais no abismo de um separatismo que negligenciamos diariamente ao andarmos por uma grande metrópole.  A saúde que ele invoca ao evidenciar como prêmio, o toco sílfide de cigarro, é sim, a sua própria maneira de anestesiar-se para não ouvir sua  voz, que denuncia a situação de exclusão a qual ele se encontra. Assim, aquele veneno não deixa de ser para ele, uma possibilidade de cura. Aquele “resto” de algo, também se assemelha à sua existência, que não lhe dá muitas perspectivas de longevidade, ao ser tragada diariamente pela nudez cruel de uma vida sem esperança.
Já a mulher, que se embriagara nas substancias viciantes, talvez, quisesse apagar as marcas de uma vida na contramão, ou quem sabe,  reativar o sonho que viu esvair-se, como fumaça pelo horizonte.  Sobre ela, confesso que tenho minhas dúvidas, apenas sei, que ao tragar o vício,  seu olhar profundo e perdido no horizonte, revelara um vazio em seu ser, uma espera, sem confiança.
E assim concluo, que a  história dos dois se cruza e se complementa naquele mesmo objeto, revelando as profundidades, diferenças, semelhanças, mas sobretudo, as fissuras da existência humana.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Os Lírios Brancos da Minha Infância




Ah! Os lírios brancos de minha infância! Ainda sinto o perfume e posso tocar com os olhos fechados, a textura da sua  beleza
 
Exibidos, exuberantes, encantadores e persuasivos lírios, que atiçavam meu tato para ganhar carícias 


Se abriam felizes com o alvorecer da manhã, lavando meus pés com o orvalho fabricado na negritude da noite onde eu embalava meus sonhos


Tão brancos e embebidos de paz, os lírios me tocavam a alma e  também adornavam em seu seio,  a pureza de minha infância 


Profundamente puros e inofensivos, mas hoje me machucam pela nostalgia de um tempo que não retorna mais


Me resta somente, imersar o coração no perfume nostálgico  dos lírios brancos,  e me deixar sonhar com um tempo de paz