Obs: este texto é baseado na realidade, e uma forma de homenagem a uma pessoa especial, que partiu nesta pandemia, e deixou esposo, filho e família, para sempre mergulhados na saudade...
Eu ainda lembro, com a profundidade dolorida de todos os detalhes, quando eu observava, distraída, o horizonte daquela pracinha infantil, e, de repente, os vi abrir a porta para a casa vazia. Aquela mesma porta que sempre dera acesso ao sorriso e alegria de chegar ao lar, desta vez estava desabitada, de sentido, de amor, de gente. Ao ver a tristeza de pai e filho ao adentrarem na casa, apáticos e desorientados, fiquei imaginando o quanto ela estava cheia de ausência, em cada canto, e parecesse para eles, a imensidão de um vazio interminável.
Imaginei o sofá, que sempre foi abrigo da família, agora estar gélido e sem sentido naquele lugar. Logo mais adiante, os espelhos, que antes refletiam os sorrisos e alegria deles, nesta hora evidenciando somente a tristeza dos rostos descoloridos pelas lágrimas, que ainda não se acostumaram com a violência daquele adeus. Um pouco mais a frente, estava a mesa, ela que sempre fora sagrada, local de encontro, de planos, de confraternização, desta vez apenas refugiava as lembranças, e com essas recordações, os olhos dos dois já não suportavam carregar o peso da dor. A mesa estava lá, intacta, pronta para ser posta, porém, o essencial havia partido. Um lugar nela estava vazio, para sempre, e isto jamais faria o móvel se encher de sentido, aliás, nada naquela casa.
A imensidão do vazio daquela partida, se refletia em cada objeto, em cada parede, em todos os detalhes. Suportar aquilo era um fardo pesado demais para os dois. Em tudo havia a presença dela, contudo, nesta totalidade, também estava a ausência, multiplicada ao infinito, que dilacerava aqueles dois corações. Abrir aquela porta, agora vazia, que sempre havia dado acesso à toda grandeza e abundância do amor, se tornara dilacerantemente insuportável. Em cada espaço, residia uma tonelada de saudade, que os esmagava e os quebrava por dentro, e que era impossível de diluir, aceitar, dissipar.
Até mesmo a gatinha, Anakin, externalizava essa quebra eterna, mesmo que não entendesse a razão da ausência. Na janela da casa, a bichana olhava para a rua, com os olhos marejados e compridos de esperança, como se esperasse, em breve, ela chegar, assim como quando foi resgatada, em uma caixa de papelão. Mas a única certeza é que a porta, de agora em diante, para sempre abriria a casa vazia. Pai, filho e gatinha precisariam resgatar os milhares de estilhaços de seus corações para conseguir abrir a fresta de uma nova e dolorida existência, para sempre marcada pelos destroços da perda.
Por fim, assim como a casa, cada vez descobriam-se mais desabitados de sentido, mergulhados no caleidoscópio de lembranças que a traziam nos seus corações. E de tanto entrelaçarem-se neste fio doloroso de saudade, teve um momento que nunca mais quiseram abrir a porta da casa vazia. Desta forma, partiram de lá, pois toda a riqueza que o dinheiro não pode comprar, lhes fora arrancada para sempre.
Nunca saberemos quando será a última vez que a nossa porta abrirá para a casa cheia. Então, valorize, ao extremo, cada vez que chegares nela, e ver refletido o maior sentido da vida. Porque chegará o dia em que teremos apenas a vastidão das memórias para conviver e sentir o amor. E haverá um momento em que seremos apenas a imensidão da saudade e das lembranças de alguém.
Obs: foto real, da gatinha Anakin, que Camile me enviou em vida. Saudades eternas!