Depois de muito tempo sem poder postar, volto a me dedicar um pouquinho ao meu blog. A graduação que agora acabou, me requerera bastante tempo de dedicação, aliada ao meu trabalho.
Estou postando um pequeno conto que escrevi em um desses meus momentos de encontro com minha subjetividade mais profunda. Boa leitura!
Depois da longa viagem, cheguei na casa onde passei minha infância e boa
parte da juventude. Entrei lentamente, com os passos presos, como se me
puxassem de volta. Parecia que algo me dizia para não entrar. Mas mesmo assim,
prossegui. Adentrei na cozinha, ainda estava lá o velho fogão de lenha, de
estampa floreada, e, no chão de madeira, os pontos pretos queimados de brasa
que dele caiam e feriam o assoalho. Lembrei-me dos invernos gélidos em que eu
ficava a me esquentar ao pé do fogão de lenha até o meio dia, pensando nos
amores juvenis, nos sonhos futuros para a vida. Me emocionei com a nostalgia
daquele momento pretérito e de repente avistei mamãe saindo do quarto, com a
aparência surrada pelo vida sofrida do campo:
- Minha filha, minha filha, quanto
tempo, porque demorou tanto para voltar!?
Apenas abracei-a
fortemente, sem nada a dizer. Fiquei a observar os profundos traços do tempo
estampados na face de mamãe. Começava a dar-me conta de quanto o tempo havia
passado sem que eu a visse.
- Vem cá, filha, vem ver seu pai.
Falou mamãe.
Me dirigi até a sala. Lá estava
papai quase sumido em sua magreza, bem como nos traços do tempo que se faziam
ainda mais fortes no seu rosto que no de mamãe. Abracei-o, senti seus ossos
e percebi a dificuldade com que se levantara para me cumprimentar. Não era mais
o camponês forte o qual arava a terra de segunda a segunda naqueles tempos em
que eu estava em casa. Um
remorso tomava conta de mim, comecei a pensar porque não tinha arranjado um tempo
e voltado antes.
Voltei meu olhar em direção ao
fogão, e, percebi que boa parte do seu floreado já estava desbotado pela ação
do tempo, e, comparei-o a meus pais. Aliás, tudo naquela casa - mesa, cadeiras,
louças, paredes - estava deteriorado. Um vento frio começou a bater as
janelas e mamãe falou:
- Filha, encosta a janela.
Forcei para fechar a velha janela de
madeira e quando percebi, caiu uma das dobradiças que lhe asseguravam presa à
parede. Um frio tomou meu corpo, como se aquilo fosse o prenúncio de alguma
coisa ruim. Mamãe me olhou e falou:
- Não se assusta filha, é que tu não
ta mais acostumada a lidar com essas janelas
né? Não foi nada, vamos chamar o vizinho para dar uma olhada.
Sentei na velha cadeira de palha,
ainda com o coração batendo forte e falei para papai e mamãe:
- Pois é, eu demorei, mas como o
prometido, voltei para buscar vocês. Agora posso lhes dar uma vida digna, como
vocês merecem.
Mamãe me olhara com os olhos fundos
e molhados de lágrimas, dizendo:
- Filha, a gente já não tem mais
muito tempo de vida, não adianta sair daqui, não nos adaptaremos mais à outro
local. Depois, tu também deve ter tuas coisas para atender, tua família.
Naquele instante meu coração
disparou. Comecei a perceber ainda mais quanto o tempo havia passado sem que
eu percebesse. Papai e mamãe realmente já estavam no fim de sua vida e eu
nunca havia parado para pensar na minha, em construir família..., essas coisas todas. Só sabia trabalhar para acumular dinheiro para buscar meus pais para um dia lá
no futuro, construir uma família minha. No entanto, sem que eu percebesse, o futuro
havia passado por mim. Naquele momento
mamãe me indagara:
- Filha, com quantos anos tu esta
mesmo?
Comecei a chorar desesperadamente,
era como se o mundo desabasse de uma só vez, com tantas revelações que
aquele momento de volta pra casa dos meus pais proporcionara. Corri para meu
antigo quarto, fechei a velha porta de madeira corroída pelo tempo, sentei no
assoalho, e chorando, comecei a me indagar baixinho:
- A minha família meu Deus, onde está!? E a
minha idade? Quanto tempo só pensando em acumular alguma coisa na vida, e perdi
os melhores anos de curtir meus pais, viver minha juventude, construir minha
família! Agora, o tempo já havia corroído também aquela que seria uma fase
preciosa da minha vida.
Depois de alguns minutos, comecei
a observar o meu antigo roupeiro que estava lá no quarto, também arruinado pelos
cupins. Em cima dele estavam alguns dos meus brinquedos, desbotados
pelo tempo. Uma curiosidade me fizera aproximar-me mais do roupeiro, lentamente
fui puxando a velha porta de madeira e a abrindo em minha direção. Subitamente
um frio tomou meu corpo, tive vontade de fechá-la, mas algo mais forte me
induzia a abri-lá. Nesse instante percebi, ainda intacto o espelho
colado no lado interno da porta, era a única coisa daquela casa, a qual o tempo
não corroera. Tive medo de olhar-me nele, fechei ligeiramente a porta. Porém,
alguma coisa muito forte me puxava a tocá-lo novamente. Não hesitei mais, abri
a porta do roupeiro, olhei-me no espelho e percebi que as linhas de expressão
do tempo tomavam meu rosto. Meus olhos já não eram os mesmos os quais um dia
o miraram. Agora eram fundos, sem viço, assim como minha pele.
Percebi o que antes nunca havia notado, o tempo também me corroera.
Desesperadamente, quis quebrar o espelho, dei um murro no vidro. A mão
começou a sangrar. Sai correndo do quarto. Papai e mamãe não estavam mais na casa. Nem quis procurá-los,
somente gritei:
- To indo, mas eu volto logo buscar vocês, só vou tentar encontrar uma
família para recuperar o tempo perdido. Eu volto, eu volto, eu volto
logooooo!
- Fátima, Fátima, acorda! Falou a
sobrinha que cuidava de mim lá no hospital. Escutei-a comentando com meu irmão:
- Acho que ela não está se recuperando muito bem aqui. deve estar tendo aqueles sonhos com o os pais dela.
- É coitadinhos, há quanto tempo já
se foram dessa vida. E a Fátima passou tanto tempo fora, tentando acumular
coisas, acabou não vendo mais os pais, ficando sozinha também, e ainda com
problemas mentais quando percebeu o quanto o tempo passara, e ela havia o
perdido. É, isso é triste!
Olhei para o meu irmão e minha
sobrinha e pedi:
- Mais um calmante daqueles para
dormir, por favor!