domingo, 12 de agosto de 2012

O Espelho do Tempo


Depois de muito tempo sem poder postar, volto a me dedicar um pouquinho ao meu blog. A graduação que agora acabou, me requerera bastante  tempo de dedicação, aliada ao meu trabalho.
Estou postando um pequeno conto que escrevi em um desses meus momentos de encontro com minha subjetividade mais profunda. Boa leitura!



O ESPELHO DO TEMPO

Depois da longa viagem, cheguei na casa onde passei minha infância e boa parte da juventude. Entrei lentamente, com os passos presos, como se me puxassem de volta. Parecia que algo me dizia para não entrar. Mas mesmo assim, prossegui. Adentrei na cozinha, ainda estava lá o velho fogão de lenha, de estampa floreada, e, no chão de madeira, os pontos pretos queimados de brasa que dele caiam e feriam o assoalho. Lembrei-me dos invernos gélidos em que eu ficava a me esquentar ao pé do fogão de lenha até o meio dia, pensando nos amores juvenis, nos sonhos futuros para a vida. Me emocionei com a nostalgia daquele momento pretérito e de repente avistei mamãe saindo do quarto, com a aparência surrada pelo vida sofrida do campo:
            - Minha filha, minha filha, quanto tempo, porque demorou tanto para voltar!?
Apenas abracei-a fortemente, sem nada a dizer. Fiquei a observar os profundos traços do tempo estampados na face de mamãe. Começava a dar-me conta de quanto o tempo havia passado sem que eu a visse.
            - Vem cá, filha, vem ver seu pai. Falou mamãe.
            Me dirigi até a sala. Lá estava papai quase sumido em sua magreza, bem como nos traços do tempo que se faziam ainda mais fortes no seu rosto que no de mamãe. Abracei-o, senti seus ossos e percebi a dificuldade com que se levantara para me cumprimentar. Não era mais o camponês forte o qual arava a terra de segunda a segunda naqueles tempos em que eu estava em casa. Um remorso tomava conta de mim, comecei a pensar porque não tinha arranjado um tempo e voltado antes.
            Voltei meu olhar em direção ao fogão, e, percebi que boa parte do seu floreado já estava desbotado pela ação do tempo, e, comparei-o a meus pais. Aliás, tudo naquela casa -  mesa, cadeiras, louças, paredes - estava deteriorado. Um vento frio começou a bater as janelas e mamãe falou:
            - Filha, encosta a janela.
            Forcei para fechar a velha janela de madeira e quando percebi, caiu uma das dobradiças que lhe asseguravam presa à parede. Um frio tomou meu corpo, como se aquilo fosse o prenúncio de alguma coisa ruim. Mamãe me olhou e falou:
            - Não se assusta filha, é que tu não ta mais acostumada a lidar com essas janelas  né? Não foi nada, vamos chamar o vizinho para dar uma olhada.
            Sentei na velha cadeira de palha, ainda com o coração batendo forte e falei para papai e mamãe:
            - Pois é, eu demorei, mas como o prometido, voltei para buscar vocês. Agora posso lhes dar uma vida digna, como vocês merecem.
            Mamãe me olhara com os olhos fundos e molhados de lágrimas, dizendo:
            - Filha, a gente já não tem mais muito tempo de vida, não adianta sair daqui, não nos adaptaremos mais à outro local. Depois, tu também deve ter tuas coisas para atender, tua família.
            Naquele instante meu coração disparou. Comecei a perceber ainda mais quanto o tempo havia passado sem que eu percebesse. Papai e mamãe realmente já estavam no fim de sua vida e eu nunca havia parado para pensar na minha, em construir  família..., essas coisas todas. Só sabia trabalhar para acumular dinheiro para buscar meus pais para um dia lá no futuro, construir uma família minha. No entanto, sem que eu percebesse, o futuro havia passado por mim.  Naquele momento mamãe me indagara:
            - Filha, com quantos anos tu esta mesmo?
            Comecei a chorar desesperadamente, era como se o mundo desabasse de uma só vez, com tantas revelações que aquele momento de volta pra casa dos meus pais proporcionara. Corri para meu antigo quarto, fechei a velha porta de madeira corroída pelo tempo, sentei no assoalho, e chorando, comecei a me indagar baixinho:
 - A minha família meu Deus, onde está!? E a minha idade? Quanto tempo só pensando em acumular alguma coisa na vida, e perdi os melhores anos de curtir meus pais, viver minha juventude, construir minha família! Agora, o tempo já havia corroído também aquela que seria uma fase preciosa da minha vida.
 Depois de alguns minutos, comecei a observar o meu antigo roupeiro que estava lá no quarto, também arruinado pelos cupins. Em cima dele estavam alguns dos meus brinquedos, desbotados pelo tempo. Uma curiosidade me fizera aproximar-me mais do roupeiro, lentamente fui puxando a velha porta de madeira e a abrindo em minha direção. Subitamente um frio tomou meu corpo, tive vontade de fechá-la, mas algo mais forte me induzia a abri-lá. Nesse instante percebi, ainda intacto o espelho colado no lado interno da porta, era a única coisa daquela casa, a qual o tempo não corroera. Tive medo de olhar-me nele, fechei ligeiramente a porta. Porém, alguma coisa muito forte me puxava a tocá-lo novamente. Não hesitei mais, abri a porta do roupeiro, olhei-me no espelho e percebi que as linhas de expressão do tempo tomavam meu rosto. Meus olhos já não eram os mesmos os quais um dia o miraram. Agora eram fundos, sem viço, assim como minha pele. Percebi o que antes nunca havia notado, o tempo também me corroera.
Desesperadamente, quis quebrar o espelho, dei um murro no vidro. A mão começou a sangrar.  Sai correndo do quarto. Papai e mamãe não estavam mais na casa. Nem quis procurá-los, somente gritei:
- To indo, mas eu volto logo buscar vocês, só vou tentar encontrar uma família para  recuperar o tempo perdido. Eu volto, eu volto, eu volto logooooo!
            - Fátima, Fátima, acorda! Falou a sobrinha que cuidava de mim lá no hospital. Escutei-a comentando com meu irmão: - Acho que ela não está se recuperando muito bem aqui. deve estar tendo aqueles sonhos com o os pais dela.
            - É coitadinhos, há quanto tempo já se foram dessa vida. E a Fátima passou tanto tempo fora, tentando acumular coisas, acabou não vendo mais os pais, ficando sozinha também, e ainda com problemas mentais quando percebeu o quanto o tempo passara, e ela havia o perdido. É, isso é triste!
            Olhei para o meu irmão e minha sobrinha e pedi:
            - Mais um calmante daqueles para dormir, por favor!

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