sexta-feira, 3 de abril de 2020

Covid-19: a urgência de reconectar-se




Pela primeira vez na história, o mundo inteiro parou, e o inimigo é tão intangível e abstrato quanto a mensagem que está implícita em sua ocorrência. Esperava-se, cada vez mais, a convivência e gestão de crises, oriundas das catástrofes naturais, que com sua força, deixam a marca física da destruição, porém, apesar disso, não desencadeiam, em grande escala, um profundo despertar do homem, para a consequência das suas ações. Então veio um vírus, para imobilizar o corpo, e tentar aflorar  as mentes humanas para o que de fato é essencial : reconectar-se com a vida.
Nunca estivemos tão conectados por aparelhos, e igualmente, desconectados com nosso ecossistema, que nos garante a vida. Esse paradoxo, há tempo, vem dando sinais de sua insustentabilidade, porém, insistimos, cegamente, em seguir. Esquecemos, em nosso desenfreado tear pelo desenvolvimento e consumismo, que somos parte do que destruímos. Em cada avanço sobre a natureza, em suas diferentes manifestações, o fio invisível que dá sustentação à vida humana, é cortado.
A atual pandemia está intrinsecamente ligada à destruição da natureza, sobretudo, ao desrespeito e crueldade com a vida animal. Derrubamos as florestas, matamos os animais e seus habitats, e aos que restaram, obrigamos a aproximarem-se cada vez mais da miséria e da turbulência da vida humana. Achamo-nos supremos, poderosos, não importando-nos mais com o semelhante, nem com as inúmeras formas de existência além de nós. Matamos e maltratamos os outros seres vivos, com requintes de crueldade, ignorando sua dor e sofrimento.  E nesse inescrupuloso modo de ser, invisivelmente cortamos a teia que nos conecta e sustenta à vida. Assim, de repente, e provavelmente, um morcego parou o mundo.
Mas não foi por acaso! O coronavírus foi apenas o esfacelar de um vidro, cheio de rachaduras, que há décadas, ou séculos, vinham trincando.  Agora, mais do nunca, precisamos, e temos tempo, para (re)pensar, (re)significar, (re) tomar outro rumo para a nossa frágil (co) existência, bem como,  para  o mundo. O Covi-19 não tem face, não tem corpo.  Ele reside e resiste no abstrato, e é nessa arena que podemos e devemos (re)construir nossas vidas, assim como,  (re) considerar a complexa teia que nos envolve e nos equilibra.  Sob essa égide, será vital resgatarmos a solidariedade e o olhar humanizado pelo outro, pois aprendemos agora, sob dura pena, que a ação do meu semelhante pode frear ou alavancar a epidemia. Nunca precisamos tanto do outro, tampouco, do equilíbrio com a natureza, para  retomarmos a vida.
Estamos profundamente presos à inúmeras conexões ocultas. Nossas ações, embora muitas vezes imperceptíveis, provocam uma reação em cadeia, por todo elo que nos emanta, e que consequentemente é a base da vida terrestre. Já temos pesadas evidências, entre elas, gripe aviária, HIV, gripe suína, e agora o coronavírus, de que nossas (des)conexões caminham ao sentido contrário da sustentabilidade do planeta. Mas , apesar de tudo, ainda há tempo, ou melhor, chegou o tempo, de (re)conectar para o essencial. E aqui, para finalizar, deixo uma citação de um dos autores, que , há muitos anos, embasam minha forma de perceber o mundo, e, que ao meu ver,  deveria ser leitura  obrigatória , em especial nessa época, para desabrochar e abrir as mentes para um novo e urgente tempo: Edgar Morin.
Segundo o autor, (2007, p. 64):

a relação do ser humano com a natureza e o planeta não pode ser concebida de um modo redutor nem separado, como se depreende da noção de globalização, porque a Terra não é a soma de elementos disjuntos: o planeta físico, mais a biosfera, mais a humanidade; a relação entre a Terra e a humanidade deve ser concebida como uma entidade planetária e biosférica.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sua visão sobre o atual momento do planeta mostra sua capacidade de empatia em uma realidade tão polarizada (covid-19 é mortal ou é bobagem), claramente justificada pela polarização política, especialmente no Brasil (os mais a direita querem ir pra rua e os mais a esquerda querem o lockdown).
Quem poderia pensar que tudo pode ser uma manipulação política e econômica da gigante China que não mais que duas décadas atrás era origem de produtos de má qualidade e fonte de produtos do comercial informal, vulgo camelôs e hoje dita as regras da economia e da polític global.
Que nossa esperança jamais se perca, influenciada por seu olhar doce e sincero de um desejo que dias melhores virão.

Fabiane Altíssimo disse...

Obrigada por expor sua visão, muito lúcida, deste amargo momento. Que possamos, mais adiante, quando a pandemia se aniquilar, e à luz de toda lucidez, sem paixões e ideologias, (re)construir nossa realidade, considerando os ensinamentos mais profundos e subjetivos, que esse momento nos deixa. Um grane abraço, e mais, uma vez, muito obrigada por contribuir com seu olhar !