segunda-feira, 22 de julho de 2013

O Mendigo de Pinos: uma pausa para espiar o que nos machuca



 

As vezes, gosto de caminhar de maneira desinteressada só a observar a vida que se desenrola no vai e vem das pessoas. E foi  em mais um desses  meus andares descomprometidos   pelo centro de Porto Alegre,  que avistei, outra  vez, um retrato chocante, mas banal, da realidade humana de uma grande metrópole.  Enquanto eu esperava na fila para tomar meu ônibus - como muitos outros ali - remexia-se ao nosso lado, um mendigo, deitado na calçada gélida, tentando em vão, arrumar algo estranho em sua perna.  Aproximei mais meu olhar em direção àquela cena e, percebi que ele possuía muitos ferros e pinos na canela, fato que me leva a crer que tenha sido fruto de algum atropelo de carro ou motocicleta que dinamizam essa  nossa selva de pedras.   E quanto mais aquele homem maltrapilho e rude tentava ajeitar seu ferimento, na tentativa de calar a dor, mais inquieto e agoniado ficava. Eu confesso que com medo e desconfiança – peculiar de quem vive nessa multidão de estranhos – tive receio em oferecer ajuda, mas com o canto dos olhos fiquei a mirar o homem que em vão,  mexia-se na tentativa de estancar a dor do seu ferimento e, enquanto isso, sofria e nada acontecia, tal qual a cena de sua própria vida, no atropelo diário que é sobreviver na rua, no seio gélido, petrificado  e cinzento  de uma grande metrópole. Meu ônibus chegou e parti, com a imagem do homem nos olhos, na cabeça e no coração.  Não sei o que deve ser mais forte para ele: se a dor dos pinos infeccionados na sua perna ferida  ou  dos pinos cortantes da sua própria vida.  Vida esta inflamada  de um vazio de infinita desgraça que é viver sem sentido, sem causa, sem ninguém.  Existência corroída por pinos afiados e enferrujados de tristeza, fome, desocupação, solidão que cortam diariamente seu ser. Cheguei a conclusão de que a dor de seu atropelo não deve ter sido maior do que a de carregar uma vida vazia de sonhos e perspectivas e ser atropelado a cada dia pela força nua da cruel realidade. Hoje depois de muito tempo e, apesar de nunca mais ter visto aquela pessoa,  ainda a imagem do homem de pinos  interdita e espeta meus pensamentos. Ela agora, me imersa na complexidade que é a própria vida e assim, me faz pensar nos pinos que cada um de nós  - não mendigos (as) - carrega no ato de viver. E é válido lembrar que esse nosso viver é cada vez mais, uma busca inflamada, pois quantos pinos, que nos ferem a alma e, que  temos que carregar por dia, ano e pela vida toda, na tentativa de ser feliz? O que mesmo que eles cicatrizam em nós, senão nossos ferimentos pela busca da felicidade tão efêmera e ao mesmo tempo, dilacerante?  E somos atropelados e feridos, diariamente, pela nossa ansiedade, insaciedade, vaidade, pelo nosso trabalho, pelos nossos estudos, pela nossa carreira, pelos outros, e por fim, por nós mesmos, em virtude dessas nossas escolhas. E caímos e nos remexemos e, choramos a dor dos pinos nossos de cada dia, e assim, todos nós, vamos vivendo e suportando os atropelos de nossa existência e, mendigando migalhas de euforia.


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