As
vezes, gosto de caminhar de maneira desinteressada só a observar a vida que se
desenrola no vai e vem das pessoas. E foi em mais um desses meus andares descomprometidos pelo centro de Porto Alegre, que avistei, outra vez, um retrato chocante, mas banal, da
realidade humana de uma grande metrópole.
Enquanto eu esperava na fila para tomar meu ônibus - como muitos outros
ali - remexia-se ao nosso lado, um mendigo, deitado na calçada gélida, tentando
em vão, arrumar algo estranho em sua perna. Aproximei mais meu olhar em direção àquela
cena e, percebi que ele possuía muitos ferros e pinos na canela, fato que me
leva a crer que tenha sido fruto de algum atropelo de carro ou motocicleta que
dinamizam essa nossa selva de
pedras. E quanto mais aquele homem maltrapilho e rude
tentava ajeitar seu ferimento, na tentativa de calar a dor, mais inquieto e agoniado
ficava. Eu confesso que com medo e desconfiança – peculiar de quem vive nessa
multidão de estranhos – tive receio em oferecer ajuda, mas com o canto dos
olhos fiquei a mirar o homem que em vão,
mexia-se na tentativa de estancar a dor do seu ferimento e, enquanto isso,
sofria e nada acontecia, tal qual a cena de sua própria vida, no atropelo
diário que é sobreviver na rua, no seio gélido, petrificado e cinzento
de uma grande metrópole. Meu ônibus chegou e parti, com a imagem do
homem nos olhos, na cabeça e no coração. Não sei o que deve ser mais forte para ele: se
a dor dos pinos infeccionados na sua perna ferida ou dos
pinos cortantes da sua própria vida. Vida esta inflamada de um vazio de infinita desgraça que é viver
sem sentido, sem causa, sem ninguém. Existência
corroída por pinos afiados e enferrujados de tristeza, fome, desocupação,
solidão que cortam diariamente seu ser. Cheguei a conclusão de que a dor de seu
atropelo não deve ter sido maior do que a de carregar uma vida vazia de sonhos
e perspectivas e ser atropelado a cada dia pela força nua da cruel realidade.
Hoje depois de muito tempo e, apesar de nunca mais ter visto aquela pessoa, ainda a imagem do homem de pinos interdita e espeta meus pensamentos. Ela
agora, me imersa na complexidade que é a própria vida e assim, me faz pensar
nos pinos que cada um de nós - não
mendigos (as) - carrega no ato de viver. E é válido lembrar que esse nosso
viver é cada vez mais, uma busca inflamada, pois quantos pinos, que nos ferem a
alma e, que temos que carregar por dia, ano
e pela vida toda, na tentativa de ser feliz? O que mesmo que eles cicatrizam em
nós, senão nossos ferimentos pela busca da felicidade tão efêmera e ao mesmo
tempo, dilacerante? E somos atropelados
e feridos, diariamente, pela nossa ansiedade, insaciedade, vaidade, pelo nosso
trabalho, pelos nossos estudos, pela nossa carreira, pelos outros, e por fim,
por nós mesmos, em virtude dessas nossas escolhas. E caímos e nos remexemos e,
choramos a dor dos pinos nossos de cada dia, e assim, todos nós, vamos vivendo
e suportando os atropelos de nossa existência e, mendigando migalhas de euforia.
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