quinta-feira, 28 de novembro de 2013

O Lápis da Vida de Maria

Compartilho com você a minha poesia que recebeu menção honrosa no Prêmio de Poesia Lila Ripoll 2013

O Prêmio Lila Ripoll visa incentivar novos artistas e homenagear a grande poeta gaúcha e batalhadora pelas questões de gênero e sociais, Lila Ripoll. Neste ano, a temática era em torno das questões sociais e de gênero. Na foto acima, estou recebendo a menção na 59º Feira do Livro de Porto Alegre.




O Lápis da Vida de Maria


 Maria que escrever não sabia,

Olhava o lápis que de carvão e madeira era feito.

Ela que de vida e histórias lindas se fazia,

Chorava ao vê-lo pois escrevê-las não podia, o que lhe cortava o peito.



Mas mesmo assim, Maria fazia poesia,

Ao tecer sua vida com uma sabedoria profunda.

Ela que a soma também desconhecia,               

Acumulava a riqueza de uma existência fecunda.



Maria que não lia e nem escrevia,

Com o lápis da vida compunha histórias.

E a ciência que não reconhecia culta a Maria,

Hoje dialoga, com as verdades das suas glórias.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

O Mendigo de Pinos: uma pausa para espiar o que nos machuca



 

As vezes, gosto de caminhar de maneira desinteressada só a observar a vida que se desenrola no vai e vem das pessoas. E foi  em mais um desses  meus andares descomprometidos   pelo centro de Porto Alegre,  que avistei, outra  vez, um retrato chocante, mas banal, da realidade humana de uma grande metrópole.  Enquanto eu esperava na fila para tomar meu ônibus - como muitos outros ali - remexia-se ao nosso lado, um mendigo, deitado na calçada gélida, tentando em vão, arrumar algo estranho em sua perna.  Aproximei mais meu olhar em direção àquela cena e, percebi que ele possuía muitos ferros e pinos na canela, fato que me leva a crer que tenha sido fruto de algum atropelo de carro ou motocicleta que dinamizam essa  nossa selva de pedras.   E quanto mais aquele homem maltrapilho e rude tentava ajeitar seu ferimento, na tentativa de calar a dor, mais inquieto e agoniado ficava. Eu confesso que com medo e desconfiança – peculiar de quem vive nessa multidão de estranhos – tive receio em oferecer ajuda, mas com o canto dos olhos fiquei a mirar o homem que em vão,  mexia-se na tentativa de estancar a dor do seu ferimento e, enquanto isso, sofria e nada acontecia, tal qual a cena de sua própria vida, no atropelo diário que é sobreviver na rua, no seio gélido, petrificado  e cinzento  de uma grande metrópole. Meu ônibus chegou e parti, com a imagem do homem nos olhos, na cabeça e no coração.  Não sei o que deve ser mais forte para ele: se a dor dos pinos infeccionados na sua perna ferida  ou  dos pinos cortantes da sua própria vida.  Vida esta inflamada  de um vazio de infinita desgraça que é viver sem sentido, sem causa, sem ninguém.  Existência corroída por pinos afiados e enferrujados de tristeza, fome, desocupação, solidão que cortam diariamente seu ser. Cheguei a conclusão de que a dor de seu atropelo não deve ter sido maior do que a de carregar uma vida vazia de sonhos e perspectivas e ser atropelado a cada dia pela força nua da cruel realidade. Hoje depois de muito tempo e, apesar de nunca mais ter visto aquela pessoa,  ainda a imagem do homem de pinos  interdita e espeta meus pensamentos. Ela agora, me imersa na complexidade que é a própria vida e assim, me faz pensar nos pinos que cada um de nós  - não mendigos (as) - carrega no ato de viver. E é válido lembrar que esse nosso viver é cada vez mais, uma busca inflamada, pois quantos pinos, que nos ferem a alma e, que  temos que carregar por dia, ano e pela vida toda, na tentativa de ser feliz? O que mesmo que eles cicatrizam em nós, senão nossos ferimentos pela busca da felicidade tão efêmera e ao mesmo tempo, dilacerante?  E somos atropelados e feridos, diariamente, pela nossa ansiedade, insaciedade, vaidade, pelo nosso trabalho, pelos nossos estudos, pela nossa carreira, pelos outros, e por fim, por nós mesmos, em virtude dessas nossas escolhas. E caímos e nos remexemos e, choramos a dor dos pinos nossos de cada dia, e assim, todos nós, vamos vivendo e suportando os atropelos de nossa existência e, mendigando migalhas de euforia.


terça-feira, 9 de julho de 2013

Só o Abraço nos Salva


Um tempo atrás, em um desses meus andares soltos, onde preocupo-me  somente em viver os momentos, de uma forma desinteressada, mas observadora, avistei inúmeras pessoas, em um parque movimentado de Porto Alegre, oferecendo algo pouco comum: Abraços. Havia gente, em todas as direções, doando abraços. Carregavam faixas com dizeres: “Abraço Grátis” e usavam camisetas que comunicavam a doação de abraços.
Fitei mais firme meu olhar em direção a quem oferecia, mas também àqueles que eram prospectados para o ato. Em princípio, as pessoas ficavam um pouco tímidas, umas riam e não sabiam o que fazer, mas tão logo que eram abordadas para o abraço, se deixavam  envolver pela emoção e em uma aura positiva. Os sorrisos brotavam-lhe nos rostos, os braços se abriam e se completavam com os abraços recebidos. Em poucos minutos, aquelas pessoas estranhas até então, derrubavam toda a barreira e assimetria existentes entre elas, e, se falavam como se a anos já tivessem algo em comum. Uma mistura de afeto, simpatia, empatia e identificação brotavam ali com a magia de um abraço.
Atualmente, diante de todo cenário de lutas e manifestações  que se ilustra no Brasil e no mundo, voltei a pensar seriamente no abraço e, cheguei a conclusão que é dele que o mundo necessita para ser melhor. Penso que a solução de todos nossos problemas pode ser um abraço. Porque ele é o pacto da aceitação e, ao mesmo tempo, do compromisso. Falo, nesse contexto, da sua simbologia, ou seja, não somente do abraço físico - aquele que envolve dois corpos - mas também do abraço simbólico que é o abraçar causas, compromissos, valores, juramentos...
Pois então, acredito que o mundo quando mostra suas mazelas, denuncia a falta do abraço pelas causas assumidas pelos políticos, pelos empresários, pelos detentores do poder. Faltou - desde os tempos primórdios – o abraço à justiça, à verdade, à promessa feita e acima de tudo,  faltou a vontade de abraçar tudo isso. Vivemos em um caos - no mundo todo - porque as pessoas não abraçaram o planeta, a natureza, os animais, os outros. E, se presenciamos as desgraças de um mundo o qual revidamos  é porque os sujeitos resolveram abraçar, somente as suas mesquinharias e seu individualismo.
E essa falta de abraço ao mundo, engloba não somente o âmbito político, mas é saliente no campo pessoal e social, onde também vivemos uma crise de abraços. Falta abraçar mais o amor, o compromisso com seu (sua) companheiro (a), mesmo nos piores dias, e, igualmente falta abraçar mais as suas amizades pois elas também alimentam sua alma. Falta abraçar seu subordinado com mais humanidade e amor, para colher melhores resultados. Falta abraçar seu colega de trabalho como alguém que está ali somando contigo e que, pode ser teu parceiro e tornar seu dia mais feliz e, mais leve.  Falta abraçar sua carreira com mais paixão. Carece-se de abraçar as coisas mais força e atitude. Por fim, falta abraçar a vida com mais convicção de que vale a pena ABRAÇAR o mundo

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Porque nossa “Polidez” nos Furta o Melhor da Vida

Divagando por minhas memórias, lembrei de uma cena  da minha infância - de muitos anos atrás.


Eu sempre adorei as artes. Amava fazer teatro. E foi numa daquelas simples encenações infantis que presenciei o riso mais puro e mais divertido que já vi e, também aprendi o quanto a alegria está manifestada nas pequenas coisas. Eu e meus coleguinhas encenávamos um casamento caipira na escola, onde toda comunidade participou. E, diga-se de passagem que uma pequena encenação como aquela, naquele lugar isolado, era um grande evento.

Toda a comunidade se aglomerava para nos assistir. Recordo que com a tradicional entrada dos noivos caipiras e o nosso palavreado “caipirês”  o público todo ria. Mas o que me chamou atenção foi o riso solto, alto, feliz e puro de uma mulher “analfabeta” daquele lugar. Ela ria sem parar e, com gargalhadas gostosas, contagiantes, puras. A felicidade transbordava em seu sorriso. Ela ria como nunca mais vi ninguém sorrir, por isso até hoje me lembro.

A alegria do seu riso, refletia também a pureza da sua alma, da sua vida, do seu mundo.  Ela não se importara que seu sorriso se sobressaia e, chamava atenção dos demais, tão menos, que aqueles, por ora, riam da sua forma “aviltada” e “espalhafatosa” de gargalhar. Ela simplesmente deixava se envolver com a profundidade daquele momento na sua vida.  E ria, ria imoderadamente e estrondosamente da nossa pequena encenação caipira.

Hoje, mergulhando no fato – sob a janela de uma grande metrópole - e percebendo tanta falta de sorrisos, de empatia, de gentileza, de alegria nas pessoas ditas cultas e letradas, me questiono se nossa tal “polidez” não nos furtou  nossa essência: a capacidade de nos entregarmos aos momentos, de sentirmos a vida na mais profunda simplicidade, de sermos verdadeiros sem medo de julgamentos, de sermos felizes com a mais “insignificante” das coisas. Enfim, de sorrirmos e vivermos da nossa maneira peculiar de ser.

As vezes acho que, na tentativa de nos polirmos para o mundo, nos involucramos em um embrulho que não condiz com nosso âmago. Nos escondemos no interior de uma casca que nos barra de nós mesmos.  Assim, nosso sorriso fica esmagado dentro daquilo que um dia fomos. No interior desse invólucro, mora um ser sufocado que não pode aparecer, que não pode sorrir verdadeiramente, sentir verdadeiramente, viver verdadeiramente porque tem medo do olhar cruel do mundo.

Pois assim, concluo que, aquela mulher “analfabeta” foi a pessoa mais feliz e mais pura que já conheci, porque nela não havia nenhuma embalagem .

sábado, 20 de abril de 2013

A manhã Cinzenta de Julho


Era uma manhã daquelas cinzentas e frias do mês de julho.  
  
O dia nascera e o sol de preguiça não levantou, deixando que as nuvens pintassem de um cinza triste aquele dia de despedida. E não era uma despedida qualquer, um tchau breve. Para mim, era o recomeço da vida e uma aposta profunda - e incerta - nos meus sonhos.  As nuvens sem vida que pairavam, também significavam a gélida tristeza do meu coração e a incerteza de não saber se meus momentos futuros teriam sóis ou apenas o cinzento da escura indefinição de um caminho incerto.
Eu não deixava apenas aquele lugar, abandonava também, parte da minha vida, da minha história. Como planta grande arrancada da terra, eu partia quebrada. Deixava a riqueza maior que alguém pode ter: a família. E a deixava chorando e contrariada pela minha decisão de partir para um mundo desconhecido e que até então ninguém se arriscara por lá. Mas além disso, o dia cinzento encobria e de certa forma, apagava com minha partida, as minhas mais puras utopias, as minhas profundas e talvez ingênuas crenças em um mundo mais justo onde é possível crer na bondade de todos, fato que sempre acreditei e cultivei por lá. O dia cinzento não se apresentara assim por acaso, ele retratava a desilusão de uma jovem que leva consigo quando parte, um coração rasgado e ferido por aquilo que creu.
As minhas malas socadas e remendadas, em parte, eram tais qual a minha esperança esmagada pelos muros que a vida tão precocemente me deu.
Embarquei no ônibus e fiquei fitando aquele lugar que amei de paixão, que sonhei de paixão, que vivi de paixão, me expulsar por já não ter a capacidade de abrigar meus sonhos. Minha mãe chorando foi a última imagem que meus olhos avistaram. E as últimas palavras que falei naquela partida ainda me lembro: - Não se preocupe, vai dar tudo certo mãe!
Parti sozinha e vazia de ilusões naquele dia cinzento, mas cheia de coragem para fomentar um sonho e recomeçar do zero outra vez a minha vida.  Trezentos reais.  Destino, Porto Alegre, PUCRS. De nada mais eu sabia naquela data sem cor. Pelo menos, nada de certeza, pois as que eu havia depositado naquele lugar, se esfacelaram com os dias sem perspectivas para o alvorescer de sonhos. A partida, que eu escolhi, me fizera quebrar convicções e paradigmas sobre a vida. Eu sabia que a busca do sol seria difícil, mas não impossível....Ah, esse sol que hoje clarifica minhas manhãs e, que me ilumina para olhar para trás e ver com orgulho a minha história que continuei a escrever por aqui.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O Veneno que Cura



Sou dessas que anda pela rua catando fragmentos de vida que, geralmente se revelam, na singularidade dos pequenos acontecimentos. Em um momento dessas minhas andanças curiosas pelo centro da cidade, tive que parar por alguns minutos para aguardar a abertura de uma loja a qual eu precisava comprar algumas coisas. Enquanto o tempo passava,  fiquei mirando o movimento da rua, acompanhando com os olhos, o vai e vem dos homens e dos motores em suas corridas fugazes pela linha do tempo de uma grande metrópole. Foi quando,  de repente,  percebi ao meu lado, uma mulher, magra, loura, de olhos fundos, tragando com desespero um cigarro. Enquanto ela se embebia no vício, a fitava, com os olhos arregalados, um mendigo, sentado  no chão, um pouco mais a sua frente.
A medida que aquela cena viva de um filme melancólico, se doava vibrante para meus olhos, eu comecei a sugar com mais intensidade cada detalhe, na tentativa de entender, o significado de uma história sem roteiro pré-definido, mas com a direção dos entrelaçamentos  sábios da vida.
Cada imersão da mulher no vício, revelava com mais força, a necessidade dela saciar algo em sua existência. Ela respirava fundo, tragava forte e olhava perdidamente para o céu,  como  se lá estivesse alguma promessa sua que enquanto não  lhe acontecia, o vicio a supria. Enquanto isso, o mendigo a tragava com os olhos,  como se nela, estivesse a materialização da sua  tão mais  fácil e alcançável esperança. Percebi diante disso, que ambos esperavam alguma coisa: ela, da vida, já ele, dela mesmo.
De repente, e inesperadamente, meu filme vivo revelou o seu desfecho. Em um instante fugaz, a mulher soltou o toco de cigarro no chão. Então o mendigo correu em direção ao mesmo, agarrou-o com toda força como alguém que conquista um prêmio e, depois, olhou para a mulher  intensamente, acenando a migalha de vício e dizendo em alto, feliz e bom tom:  - sou mendigo aqui da rua senhora. Saúde, saúde!   E assim, saiu, elevando como troféu, o toco de cigarro, sugado pela boca seca da mulher que naquele objeto, iludiu sua alma.
Confesso que nesse filme vivo, eu esperava que o mendigo chegasse à direção do cigarro, mas o desfecho distinto, se dá com o reconhecimento dele em relação à sua condição, bem como, pela  significação  que o mesmo ressaltara para aquele pequeno veneno já tragado por outra boca sedenta de algo.
“ Eu sou mendigo”, palavras  que ele proferiu, legitima e, torna normal uma das condições mais degradantes que pode submeter-se – ou ser submetido – um ser humano.  O reconhecimento e afirmação, por ele, da sua triste condição, é o veneno que lhe traga e o aprofunda ainda mais no abismo de um separatismo que negligenciamos diariamente ao andarmos por uma grande metrópole.  A saúde que ele invoca ao evidenciar como prêmio, o toco sílfide de cigarro, é sim, a sua própria maneira de anestesiar-se para não ouvir sua  voz, que denuncia a situação de exclusão a qual ele se encontra. Assim, aquele veneno não deixa de ser para ele, uma possibilidade de cura. Aquele “resto” de algo, também se assemelha à sua existência, que não lhe dá muitas perspectivas de longevidade, ao ser tragada diariamente pela nudez cruel de uma vida sem esperança.
Já a mulher, que se embriagara nas substancias viciantes, talvez, quisesse apagar as marcas de uma vida na contramão, ou quem sabe,  reativar o sonho que viu esvair-se, como fumaça pelo horizonte.  Sobre ela, confesso que tenho minhas dúvidas, apenas sei, que ao tragar o vício,  seu olhar profundo e perdido no horizonte, revelara um vazio em seu ser, uma espera, sem confiança.
E assim concluo, que a  história dos dois se cruza e se complementa naquele mesmo objeto, revelando as profundidades, diferenças, semelhanças, mas sobretudo, as fissuras da existência humana.